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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

SciELO - Scientific Electronic Library Online vol.20 número2Declínio do budismo "amarelo" no BrasilUm outro herói modernista índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos Home Pagelista alfabética de periódicos Serviços Personalizados Artigo pdf em Português ReadCube Artigo em XML Referências do artigo Como citar este artigo Tradução automática Enviar este artigo por email Indicadores Não possue artigos citadosCitado por SciELO Acessos Links relacionados Compartilhar Share on deliciousShare on googleShare on twitterShare on diggShare on citeulikeMore Sharing ServicesMais More Sharing ServicesMais Permalink Tempo Social versão impressa ISSN 0103-2070 Tempo soc. v.20 n.2 São Paulo nov. 2008 http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702008000200008 DOSSIÊ - SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO Converter indivíduos, mudar culturas* Converting individuals, changing cultures Reginaldo Prandi RESUMO Religiões diferentes concebem e tratam diversamente seus alvos: seus adeptos, antigos e novos. Procura-se neste texto analisar certas relações que distintas correntes religiosas estabelecem com as culturas e os indivíduos na América Latina, especialmente no Brasil. As religiões têm interpretações distintas do que seja a cultura, e essas definições ajudam a moldar suas estratégias de conversão e reação ao avanço de religiões oponentes. Para efeito de discussão, o artigo considera como um eixo hipotético um futuro não distante em que a América Latina teria uma maioria evangélica em sua população, perguntando-se o que aconteceria com a suposta cultura católica latino-americana se caso tal supremacia evangélica viesse de fato a se constituir. Palavras-chave: Religião e cultura; Conversão religiosa; Religiões na América Latina; Catolicismo; Evangelicalismo; Religiões afro-brasileiras. ABSTRACT Different religions conceive and treat their target public - their followers, old and new - in distinct ways. This text analyzes some of the relations established by different religious currents with cultures and individuals in Latin America, especially Brazil. Contemporary religions have diverging interpretations of what culture is - definitions which help shape their strategies for conversion and their responses to the advance of rival religions. For the purposes of debate, the article hypothesizes a not too distant future in which the majority of Latin America's population is Evangelical and asks what would happen to the supposedly Catholic Latin America culture if this supremacy were indeed to become a reality. Keywords: Religion and Culture; Religious Conversion; Religions in Latin America; Catholicism; Evangelicalism; Afro-Brazilian Religions. I A persistir a tendência atual de conversão religiosa, a América culturalmente católica se tornará num futuro não distante culturalmente evangélica? As relações entre as religiões e as culturas - e os devotos, antigos e potenciais, tomados individualmente - compreendem aspectos e abordagens variadas. É meu propósito neste artigo apontar tendências recentes da religião, procurando mostrar que a relação com a cultura é diferente quando se trata desta ou daquela religião, e que essa particularidade é importante para se entender a dinâmica atual das religiões em termos de seu crescimento, estagnação ou declínio. Sociólogos entendem que a religião, sobretudo a que pode ser classificada como internalizada (Camargo, 1971; Pierucci e Prandi, 1996), intervém na visão de mundo, muda hábitos, inculca valores, enfim, é fonte de orientação da conduta. Antropólogos ensinam que "a cultura constitui um processo pelo qual os homens orientam e dão significado às suas ações através de uma manipulação simbólica que é atributo fundamental de toda prática humana", nas palavras de Eunice Durham (2004: 231). É comum dar como certo que a religião não apenas é parte constitutiva da cultura, mas também a abastece axiológica e normativamente. E que a cultura, por sua vez, interfere na religião, reforçando-a ou forçando-a a mudanças e adaptações. Ainda que tais definições possam ser questionadas diante da crise conceitual contemporânea, religião e cultura ainda são referidas uma à outra, sobretudo quando se trata de uma nação, uma etnia, um país, uma região. Diz-se que a cultura da América Latina é católica, embora apresente distinções internas devidas à formação histórica diferenciada de cada um de seus países e regiões. Assim, a cultura brasileira e algumas outras se distinguem por seu caráter sincrético afro-católico. Nelas, a dimensão religiosa de origem negra ocupa espaço relevante, maior que os de elementos indígenas; nos países em que prevalece a religiosidade católica com pouca ou nenhuma referência africana, componentes de origem indígena podem ocupar lugar mais importante que aquele observado no Brasil. Sabemos, contudo, que a cultura muda, e que a formação de uma cultura global se impõe a padrões locais. Nos dias atuais, com o avanço das igrejas evangélicas e o concomitante declínio do catolicismo, o debate sobre religião e cultura tem proposto questões importantes, como esta, antes referida: uma América Latina de maioria religiosa evangélica - se tal mudança viesse a se concretizar - seria culturalmente evangélica? No Brasil, apagaria os traços afro-brasileiros, repudiados pelos evangélicos de hoje? Extinguiria o carnaval, as festas juninas de Santo Antônio, São João e São Pedro, o famoso "São João" do Nordeste? E os topônimos católicos seriam mudados - rios, serras, cidades, ruas? Os nomes de estabelecimentos comerciais, indústrias, escolas, hospitais? A cidade de São Paulo voltaria a se chamar Piratininga? Não são perguntas para responder num exercício de futurologia, mas dão o que pensar. Afinal, cultura e religião são muito interligadas, a ponto de se confundirem - no passado e ainda hoje - em muitas situações e sociedades. E também podem, como conceitos, ter definições diferentes. Maneiras diversas de conceituar religião e cultura não são encontradas apenas entre cientistas sociais, preocupados com suas teorias e voltados à produção de uma compreensão da realidade social. Também há diferenças profundas na forma como cada religião - por meio de seus pensadores - entende o que é cultura e explica a si mesma como instituição, produzindo estratégias específicas de se pôr no mundo ou, mais precisamente, no contexto do mercado religioso contemporâneo, que implica concorrência, propaganda, técnicas de persuasão, definição do consumidor e meios eficazes de chegar a ele (Pierucci e Prandi, 1996). Religiões tradicionais de crescimento vegetativo têm que reter seus seguidores, evitar que mudem de religião. Religiões que crescem pela conversão têm que conquistar novos adeptos. Um modo de a religião se posicionar consiste em considerar que os devotos estão no mundo, numa sociedade, num território, numa cultura que é preciso conhecer para defender ou capturar. Isso não é nenhuma novidade histórica. Com o cuidado devido a uma comparação desigual, podemos imaginar que, em outros tempos, conquistadores de outro tipo usaram o conhecimento da cultura - fundando para isso uma ciência nova, a antropologia - como meio de conquista e dominação. No período avançado do colonialismo, países que contavam com uma ciência da cultura puderam dominar os conquistados sem ter que necessariamente destruir sua cultura original. Países que não cultivavam tal habilidade tenderam a persistir na política de terra arrasada, sobrepondo sua cultura à do invadido. Na destruição de culturas nativas pelo invasor, a religião foi a ponta-de-lança da dominação, porque ela, especialmente ela, podia naquele tempo ensinar o que era a verdade do mundo e fundamentar as relações sociais e econômicas que passavam a imperar nos territórios dominados. Para um novo mundo, um novo deus, o Deus único e verdadeiro - foi lema na conquista da América indígena. Hoje, felizmente, a religião tem alcance menor e só pode conquistar indivíduos, um a um. Não tem força nem braço armado para submeter nações. A religião de hoje busca a universalização, indiferente à identificação com esta ou aquela nação. Essa regra é contrariada pelos casos em que, primeiro, a religião, negando uma tendência ocidental avançada na modernidade, continua a existir como religião tradicional de preservação de um patrimônio étnico, isso é, como "religião cultural"; segundo, ela se faz religião de Estado, o que ocorre com freqüência no mundo islâmico; e, terceiro, as comunidades de imigrantes que se reúnem, segregados, em países e cidades em que a religião predominante é outra, assim como a língua e os costumes. Ainda há, nessa categoria, os grupos indígenas isolados. Vamos limitar nossas preocupações ao mundo das religiões de caráter universal, confrontando, num primeiro momento, o catolicismo com o evangelicalismo. Antes seria apropriado tratar de algumas idéias mais gerais sobre a cultura nos dias de hoje. II No clima dos movimentos de contestação da década de 1960, a noção herdada de cultura imutável e homogênea foi radicalmente contestada. "A ilusão, antes talvez a realidade, de culturas fixas e coesas se dissolveu, assim como a identidade fixada por nascimento", diz Adam Kuper (2002: 263-272). Podemos acrescentar nesse processo a dissolução da determinação da filiação religiosa. Uma nação uma cultura, uma cultura uma nação - é coisa do passado, anterior à queda do colonialismo. Hoje, quando se fala em cultura, logo surge a idéia da existência de uma cultura global, sem fronteiras - a globalização cultural do planeta (Mazzoleni, 1992). Essa cultura abrangente é marcada pela coexistência da diversidade pós-colonial, com a atuação de relações sociais das mais diversas ordens e origens. Na cultura global podemos imaginar muitos recortes, se levarmos em conta a presença ativa de indivíduos que, de acordo com este ou aquele critério, pensam e agem diversamente, construindo e manipulando de forma desigual símbolos da mesma matriz. É comum considerar que existe uma cultura da juventude, uma cultura dos homens de negócio, a cultura negra, a cultura do migrante, a cultura da pobreza, cultura gay, cultura das mulheres, cultura da terceira idade, e assim por diante. Segundo Ulf Hannerz, cada uma dessas culturas pode ser encontrada em todo lugar, porque há jovens em todas as partes do mundo, mulheres também etc. etc. (Hannerz, 1996: 30). Uma religião também se diversifica internamente. O evangelicalismo, que já é uma diversificação do protestantismo, é formado por uma miríade de igrejas com diferenças pequenas e grandes. O catolicismo romano também não é uniforme, embora centralizado numa Igreja. Em seu interior proliferam muitos movimentos que propõem relações diversas com indivíduos, grupos e cultura. Houve o tempo do catolicismo da teologia da libertação, que imaginava mudar a sociedade, a cultura, e que passou, superado pelo movimento de Renovação Carismática, focado - ao contrário daquele - no indivíduo, na cura e nos dons do Espírito Santo, à moda pentecostal (Prandi, 1997). Para a maioria dos católicos, esses movimentos são vistos com indiferença ou desconfiança. Tratados com reserva pelo Vaticano, não chegam a afetar a face mais geral do catolicismo. São movimentos de adesão individual que, de certo modo, fazem a crítica do antigo catolicismo. A cultura global é marcada por diferenças de religião. Antes, a diferença religiosa era entre nações, agora é entre indivíduos. E o que define a cultura global é a pressuposição da existência de relações sociais entre indivíduos de diferentes nações, países, regiões do mundo, rompendo com o isolamento das culturas locais. A religião, nesses termos, limita, restringe, particulariza. Tomemos um exemplo. Numa cultura mundial de juventude, hoje, quatro elementos ocupam certamente lugar proeminente: sexo, drogas, rock'n'roll e internet. Mas haverá também uma cultura de jovens evangélicos, digamos. Um garoto dessa cultura pode se integrar com outros jovens do mundo inteiro por meio da internet, manter seus grupos de discussão, ter seu espaço no Orkut, enviar e receber mensagens por e-mail, mas, sendo evangélico, riscará de seu horizonte muito do que diz respeito ao sexo e às drogas, que geralmente lhe são interditos, e sua experiência musical estará restrita à música evangélica, pela qual os jovens não evangélicos do mundo não estarão minimamente interessados. Esse jovem evangélico não participará, por causa dos limites estéticos e comportamentais impostos por sua religião, de um grupo maior do que aquele limitado pela sua própria igreja. Ele está fora de uma cultura mundial de jovens, mesmo usando jeans, calçando tênis e comendo Big Mac. Sua religião é, nesse sentido, restritiva, excludente. Ainda que pertencesse a outra religião, provavelmente continuaria excluído, porque todo grupo de jovens religiosos procura se auto-excluir. A cultura cristã jovem costuma se mostrar como a própria negação da juventude, caracterizada por sua rebeldia, imprudência e ousadia. Nela, o fervor religioso exasperante do jovem soa despropositado, e sua confiança na liderança adulta tem algo de ingênuo e subserviente. Muito de suas atitudes revela a sublimação do sexo, quando não sua castração. Aos olhos de outros jovens, ele é visto com reserva. Vejamos outro exemplo. Um católico carismático poderá se conectar mais facilmente com carismáticos católicos de Barcelona, Budapeste ou Bogotá do que com os católicos não carismáticos do bairro da Penha, em São Paulo, onde ele mora, estuda e trabalha. A religião aproxima os iguais e os distancia dos outros, agrega e imprime identidade, como faz a cultura. Mas como se trata de uma escolha e não mais de um atributo herdado, o outro do qual ele se afasta pode ser sua própria família ou indivíduos que naturalmente lhe seriam próximos. Em vez de atuar como amálgama social, a religião nesse caso estaria atuando como solvente de relações sociais tradicionalmente básicas, dissolvendo antigas pertenças e linhagens, como mostrou Pierucci (2006). Pensado em termos de cultura, isso significa uma mudança importante não só quanto à construção da identidade (que agora requer a escolha religiosa), quanto de lealdade. Quando a cultura tradicional brasileira entrou em crise na esteira do processo de industrialização baseado no capital multinacional, o capital sem pátria, sem nação, sociólogos perguntaram-se com quem seriam estabelecidas as futuras relações de lealdade, uma vez que, nessa nova sociedade capitalista, os antigos laços da família patriarcal, da religião tradicional, das relações pessoais de trabalho etc. tornavam-se cada vez mais frouxos. A nova lealdade do indivíduo seria com as empresas multinacionais? Isso felizmente se revelou uma boutade da sociologia, mais que outra coisa. Quando aquele futuro chegou, se pôde perceber como a religião a que agora o indivíduo adere por livre escolha (e que não é a religião tradicional) pode ser uma nova fonte de lealdade, criando-se no âmbito da nova cultura elementos de apoio emocional e justificativas socialmente aceitáveis para que ele possa se libertar com legitimidade da antiga religião e daqueles outros velhos laços sociais. A religião passa a atuar, portanto, como solvente numa cultura que promove o indivíduo, valoriza as escolhas pessoais e fixa suas âncoras por todo o globo terrestre sem se prender em especial a lugar nenhum. Nesse novo contexto, podemos continuar chamando a cultura brasileira ou a latino-americana de católica? Sim, pelas origens e pelos símbolos que mantém; e não, pelo esgotamento da orientação que pressupunha a fidelidade ao catolicismo. III Ao se tomar uma cultura como objeto de reflexão, é preciso considerar os indivíduos que dela participam, que a partir dela orientam suas ações, que manipulam seus símbolos e a transformam. Se o que mais nos interessa, no caso da religião, são os valores e normas, é preciso considerar que eles só fazem sentido no contexto da conduta real dos indivíduos e não podem ser dissociados das ações que orientam e que podem constituir padrões culturais, mas que também são históricas e concretas. Não se pode perder de vista que há um processo permanente e rápido de reelaboração cultural na sociedade atual, e que tanto o indivíduo como as instituições e o mercado têm consciência disso em maior ou menor grau, procurando não apenas tirar proveito dessa condição, mas interferir no processo. O contrário seria imaginar a cultura como um contêiner, como hoje se diz no campo da educação comparada, usando um modelo em que uma cultura é definida e diferenciada em oposição a outra (Lambeck e Boddy, 1997), como dois sujeitos que poderiam dialogar entre si. Implicaria tratá-la como uma objetividade concreta, que ela não tem, como se os indivíduos estivessem dentro da cultura, como se a cultura contivesse os indivíduos, isolando-os e impondo limites à compreensão e ao agir humanos (Hoffman, 1999). O contêiner poderia ser modificado de fora para dentro, levando com ele os indivíduos que estão lá dentro. A cultura não é - e cada vez é menos - um compartimento fechado, isolado. Evidentemente há muitas gradações, com interação e partes comuns em maior ou menor grau. Mais do que nunca, hoje os indivíduos que vivem uma determinada cultura estão em permanente contato com outros que vivem suas culturas próprias, integrando-se, uns e outros, numa cultura globalizante, sem fronteiras, em que diferentes fontes e referências se cruzam e se substituem, fazendo das culturas específicas vasos comunicantes enredados em possibilidades sem fim. Mas há quem não veja as coisas assim. Pensadores e líderes católicos acreditam que a América Latina continua sendo um continente de cultura católica e que os latino-americanos, por conseguinte, são naturalmente católicos. Há quem diga que a América Latina é profundamente católica! O crescimento exponencial do pentecostalismo mostra que isso já significa muito pouco. Acreditam também que, se a religião vai mal, é preciso renová-la agindo na cultura, no sentido de trazê-la de volta ao catolicismo. Para isso procuram estabelecer um diálogo da Igreja com a cultura e não com os indivíduos. O declínio constante do catolicismo mostra que essa maneira de ver a cultura é ineficaz. Mas esse não é um problema que diga respeito apenas à Igreja católica latino-americana. O Vaticano pensa o mesmo com respeito aos países europeus: a Europa é um continente de cultura católica, logo, a presença cada vez maior de outras religiões, sobretudo as levadas pela imigração, aliada ao desinteresse dos europeus por qualquer religião, soa à Igreja como uma crise que se dá na suposta cultura européia católica e que pode ser sanada por um esforço da Igreja de restauração cultural. Enquanto perde fiéis sem parar, o catolicismo, nas palavras de Flávio Pierucci, "se pensa referido antes de mais nada a povos com suas culturas do que a seres humanos com sua humanidade" e insiste "em querer 'evangelizar as culturas', pretensão que hoje se resume na seguinte palavra de ordem teológica, mas de inspiração etnológica - 'inculturação'" (Pierucci, 2005). Inculturar nada mais é que inserir na cultura algo tomado de fora ou mudar o significado de algo que já está nela contido. Baseando-se no artigo "Catequesis e inculturación" (1978), do padre Pedro Arrupe, superior geral da Companhia de Jesus por quase vinte anos, Marcelo Azevedo explica que: Inculturação é o processo ativo que, a partir do próprio interior da cultura, recebe a revelação católica através da evangelização, e que a compreende e traduz segundo seu modo de ser, de atuar e de se comunicar. Esta semente da fé se desenvolve então nos termos e segundo a índole da cultura que a recebe. A inculturação é o processo pelo qual a vida e a mensagem cristã são assimiladas pela cultura de modo a não somente se expressar pelos elementos próprios dessa cultura, como também a se constituir em inspiração, norma e força que transformam, reanimam e recriam essa cultura (Azevedo, 2007). Daí conclui que "a inculturação, portanto, implica e conota sempre uma relação entre a fé e a(s) culturas(s), realidades que abarcam a totalidade da vida e dos seres humanos, num nível individual e comunitário" (Idem). Na mesma linha, diz o teólogo católico Faustino Teixeira que a inculturação "implica sempre uma reinterpretação criadora, o choque de um encontro criador", e que "o empenho em favor da inculturação exige um conhecimento aprofundado da cultura com a qual a mensagem cristã estabelece relação" (Teixeira, 2007). Evidentemente, essa estratégia de ação na ou com a cultura trata de identificar as "culturas específicas", as variantes nacionais, regionais e locais, as culturas de grupos, classes e categorias sociais, de modo a dotar a ação evangelizadora de certo fundamento "científico" emprestado por uma antropologia que reifica o conceito de cultura e a imagina como portadora dos indivíduos. Enquanto isso, o protestantismo pentecostal e neopentecostal segue adiante, conquista, nessa América católica, mais e mais fiéis, convertendo indivíduo por indivíduo, sem se importar a mínima com a evangelização da cultura. Sua estratégia consiste em trazer novos seguidores, convertidos individualmente para dentro de suas igrejas, construir mais e mais templos, avançar no território do outro, ciente de que "de grão em grão a galinha enche o papo". Da cultura ele aproveita alguns elementos que possa usar em seu favor - símbolos, referências, imagens, benzimentos, pequenas magias a que os candidatos à conversão estão afetivamente habituados. A história recente do pentecostalismo no Brasil mostra, inclusive, que sua estratégia de expansão parte do individual, do miúdo, do pequeno, reservadamente, para aos poucos ir se mostrando de forma graúda, se impondo por fim na paisagem, forçando, por assim dizer, seu reconhecimento e ingresso na cultura. A emblemática Igreja Universal do Reino de Deus instalou-se primeiro nos salões desocupados das grandes cidades, nos cinemas fora de uso, em galpões de aluguel. Até chegar o dia em que as coisas mudaram e seu bispo fundador anunciou algo como ter chegado o tempo de construir catedrais. E as catedrais dessa igreja - símbolo de consolidação de seu processo de institucionalização e meio de incorporação à cultura brasileira - começaram a ser plantadas na paisagem urbana do maior país católico do planeta. Do mesmo modo, mesquitas imponentes foram se impondo na paisagem de capitais da Europa, inclusive em Roma, revelando a presença agora inequívoca de um islã de imigrantes, que por muito tempo ali cresceu na sombra. As palavras seguintes de Antônio Flávio Pierucci resumem a diferença marcante entre catolicismo e religiões evangélicas em sua relação com a cultura. Pergunte se qualquer uma das igrejas de conversão puramente individual, como as evangélicas, no intuito de responder aos desafios do nosso tempo, vai lá perder tempo com a reevangelização da cultura! E, no entanto, são elas as que mais crescem nessas "nações católicas" que se estendem de norte a sul da "América católica", não sem desde logo alcançar em plena "América protestante" os novos imigrantes de origem hispânica ou brasileira, culturalmente católicos, mas já agora postos em franca disponibilidade para uma conversão provavelmente evangélica - apostasia que não cessa de multiplicar-se, minando por baixo e por dentro os "povos culturalmente católicos" que o discurso pastoral de João Paulo II não se cansava de contemplar, envaidecido, em seu embaçado retrovisor polonês (Pierucci, 2005). Poderíamos dizer mais: olhando saudosamente para o passado, a Igreja deixa de se interessar pelos avanços que podem ser observados na cultura em termos de favorecimento de segmentos importantes da população, quando não da população como um todo. Com isso, perde o pé da realidade, mostra-se desatualizada, intransigente, incapaz de acompanhar os tempos atuais e de servir, assim, como intérprete e farol (exatamente o que o Concílio Vaticano II pretendia evitar). A Igreja passa a ser vista por segmentos da sociedade atualizados e atuantes em termos culturais como inimiga, como agente contrário a aspectos por eles considerados decisivos da mudança sociocultural conquistada e a conquistar sem mediação religiosa. Assim, o pensamento católico, na medida em que não acompanha mudanças recentes na cultura introduzidas por aqueles que a vivem, acaba se auto-excluindo. A cultura contemporânea em permanente transformação, cada vez mais secularizada, oferece sentidos múltiplos para um mundo que a cada dia exige novas respostas, propõe novas soluções e cria necessidades inimagináveis. O pensamento católico atribui as perdas (em adeptos, prestígio e influência) ao desgaste crescente provocado por uma cultura nova que mina a fé, corrói os valores cristãos verdadeiros e substitui a orientação tradicional religiosa pela orientação secular científica, filosófica e política à livre escolha de qualquer um. Precisa, portanto, interferir na nova cultura e restaurar a cultura das origens, da raiz, da formação das nossas sociedades. Nos dias atuais, enquanto a Igreja católica, sob a batuta retrógrada de Bento XVI, procura recompor a unidade doutrinária e ritual relativizada e culturalmente diferenciada pelas reformas do Concílio Vaticano II no sentido de melhor aproximar a Igreja das transformações do mundo, as igrejas evangélicas continuam em seu curso obsessivo: multiplicam-se, diversificam-se, inventam novas abordagens - do sagrado e do converso -, aplicam-se no desenvolvimento de técnicas de persuasão e conversão. Oferecem-se como novas alternativas, mudam a concepção a respeito do dinheiro e dos bens materiais, propõem-se a resolver problemas individuais de toda sorte, criam uma oferta de serviços religiosos (e mágicos) jamais imaginada no âmbito protestante em seu percurso desencantado. Acabam por modificar a relação de poder entre Deus e o homem, e assim vão enchendo suas igrejas de novos crentes. Mas querem mais. Num segundo momento, querem visibilidade, esperam reconhecimento social, desejam ser aceitas como integrantes legítimas da cultura contemporânea. IV É incontável o número de símbolos e elementos de origem católica que compõem a cultura latino-americana nas suas mais diferentes manifestações. Brasileiros orgulhosos votaram recentemente em massa no Cristo Redentor plantado no alto do Corcovado, no Rio de Janeiro, para sua inclusão na nova lista das sete maravilhas do mundo. O Redentor venceu, assumindo seu lugar entre as Maravilhas do Mundo ao lado das outras seis ganhadoras: a Grande Muralha da China, a cidade helenística de Petra, na Jordânia, a cidade inca de Machu Picchu, no Peru, a pirâmide maia de Chichen Itzá, no México, o Coliseu de Roma, na Itália, e o túmulo Taj Mahal, na Índia. Significa que o eleitor do Cristo Redentor votou como católico? É muito mais provável que tenha votado como simples brasileiro, sem nenhuma orientação religiosa. Votou num monumento paisagístico e turístico, num símbolo tão secular do Rio de Janeiro como Copacabana e o Pão de Açúcar. Assim o Redentor foi referido na propaganda eleitoral promovida por governo e iniciativa privada. Incluindo monumentos que vão das igrejas do barroco colonial à catedral modernista de Brasília e tantas outras referências, o patrimônio material erguido pelo catolicismo é tão rico como o patrimônio imaterial de origem católica, como muitas festas e comemorações importantes do calendário e que há muito estão secularizadas. A coisa, portanto, é católica e não é. É católica na chave cultural, não é católica na religiosa. No caso do Brasil, e de alguns outros países da América Latina, não se pode falar em cultura sem levar em conta a presença de elementos religiosos de origem africana. No Brasil, algumas influências negras são mais antigas, como ocorre na língua, e derivam da presença da população escrava. Outras são mais recentes e originam-se diretamente das religiões afro-brasileiras, que só se formaram na primeira metade do século XIX. Sua ocorrência verifica-se na música popular, na literatura, poesia e teatro, no cinema e na televisão, nas artes plásticas, na culinária, no carnaval e na dança, também em práticas mágicas oferecidas como serviços a consumidores não necessariamente religiosos, e nos valores e concepções extravasados dos terreiros para a cultura popular, mais um rico repertório de gostos e padrões estéticos. Também podem ser observadas no jeito "diferente" de encarar a vida. Tamanha é a presença de elementos de origem religiosa nessa cultura, que a própria religiosidade afro-brasileira é entendida como cultura, e assim tratada também pelo Estado brasileiro. O mesmo Estado que garante direitos coletivos calcados na cultura, na origem étnica, como o direito à terra dos quilombolas (descendentes de escravos fugidos que se refugiavam nos quilombos) e dos povos indígenas. O Ministério da Cultura mantém também a Fundação Cultural Palmares, cujo objetivo é "promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira". Órgão público de um Estado laico, a Fundação Palmares não se exime de dar atenção especial aos terreiros do candomblé e das demais religiões afro-brasileiras, garantindo recursos e meios para sua manutenção, restauração patrimonial e proteção institucional, isso porque os considera uma espécie de celeiro que abastece a cultura brasileira. Sacerdotes dessas religiões se dão o direito de recorrer à Palmares para a solução dos mais variados problemas. Na medida do possível, a fundação os acolhe, mas não passa pela cabeça de seus dirigentes oferecer a mesma atenção a pastores evangélicos negros. Desde a década de 1960, entretanto, essas religiões deixaram de ser étnicas para se transformar em universais, isto é, abertas a seguidores de todas as origens étnicas, nacionais, geográficas, de classe e de cor. São hoje religiões de adesão individual, descoladas das antigas bases populacionais de origem africana, que se expandem por todo o Brasil e chegam a outros países da América, como Uruguai e Argentina, e da Europa. Evitemos aqui o termo "conversão", porque o processo de adesão a uma religião afro-brasileira é diferente daquele das evangélicas. O candomblé e suas variantes são religiões rituais que não dispõem de um discurso salvacionista nem propõem romper com o passado biográfico dos indivíduos. Rezadas em línguas de origem africana intraduzíveis (exceto no caso da umbanda, que usa o português), as religiões negras não exercitam seus líderes para o uso da palavra, não usam a propaganda, não fazem proselitismo nem pregação. Não tentam convencer as pessoas por meio da palavra. A adesão se dá por aproximação mágica e ritual ou por afinidade pessoal, e é extremamente personalizada. Aos poucos o novo aderente vai mergulhando num ritualismo complexo e, quando se dá conta, está comprando roupas em estilo africano, aprendendo uma língua africana, ensaiando uma coreografia de ritmos de origem africana. O candomblé conserva uma faceta cultural muito densa, mesmo quando deixa de ser uma religião étnica para ser universal. Isso talvez constitua uma contradição que dificulta a adesão de muitos e que refreia seu crescimento. A despeito de sua importância cultural, o candomblé e congêneres constituem um segmento religioso de tamanho diminuto e crescimento modesto, declinante na modalidade umbandista, ameaçado de perto por igrejas pentecostais e neopentecostais, que demonizam seus orixás e guias espirituais e lhes subtraem muitos seguidores, convertendo-os (Prandi, 2005). Hoje religião de negros, brancos, pardos, amarelos, indistintamente, o candomblé é visto como uma espécie de reserva étnica e tratado como uma das fontes tradicionais ativas da cultura brasileira também no âmbito educacional. Assim, por força da Lei Federal 10.639 de 9 de janeiro de 2003 - que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares -, a mitologia dos orixás, entre outros itens, é ensinada nas escolas como cultura, tratando-se os orixás, os deuses do candomblé, da mesma maneira que os deuses gregos ou romanos, desprovidos de seu caráter sagrado. A própria cidade de Salvador, chamada de Roma Negra, berço do candomblé, apresenta-se como a capital da cultura dos orixás, que ostenta seus traços na culinária, nos mercados, na música e na paisagem. Basta uma visita ao dique do Tororó, que exibe estátuas de grande porte dos orixás, para que o visitante se convença de que a cidade tem alguma coisa de muito diferente. Em todo lugar, turistas e curiosos vão aos terreiros para apreciar as cerimônias como quem vai a um espetáculo folclórico. O candomblé não se incomoda com essa platéia de propósitos não religiosos. Ao contrário, quando há visitantes, capricha para que o espetáculo seja mais bonito, mais odara. No final do culto, quando se serve o banquete comunitário, aqueles que visitam pela primeira vez um terreiro se surpreendem com a comida oferecida a todos e se dão conta de que a culinária típica baiana, que hoje se come nas diferentes regiões do país, em casa, em restaurantes e bancas de rua, nada mais é do que a comida sagrada dos deuses afro-brasileiros: o acarajé de Iansã, os bolinhos de inhame de Oxalá, o quiabo com camarão de Xangô, a brasileiríssima feijoada de Ogum... E a presença protestante, onde está? Na cultura brasileira, que ao mesmo tempo é católica e tem muito de religião afro-brasileira, falta o elemento evangélico. Se o candomblé virou cultura - com samba, carnaval, feijoada, acarajé, despacho, jogo de búzios -, as sisudas denominações evangélicas nunca foram capazes de produzir para o Brasil qualquer bem cultural importante, como chama a atenção Gedeon Alencar, em seu trabalho sobre a não-contribuição evangélica à cultura brasileira (Alencar, 2005). Até mesmo a música gospel, que é a produção evangélica mais próxima do consumo estético, é limitada ao universo dos crentes, incapaz de se auto-incluir no plano geral das artes de âmbito nacional, artes que o protestantismo brasileiro encara, de modo geral, com suspeição e recusa. Como exceção digna de nota, a música brasileira deve a formação de muitos músicos profissionais às pentecostais Assembléia de Deus e Congregação Cristã. O fato é que as religiões evangélicas estão muito distantes do catolicismo e das religiões de origem africana, no caso do Brasil, como fontes de abastecimento da cultura não religiosa. Falta-lhes sobretudo a legitimidade social, difusa mas onipresente, conferida por segmentos intelectuais, artistas e formadores de opinião pública que ocupam posições importantes na arbitragem do bom gosto e na definição das demandas refinadas do consumo de bens materiais e imateriais e de serviços. V Ainda que haja muitas referências religiosas na cultura brasileira, como acontece na de outros países, essa cultura é também republicana e, nesse sentido, é secularizada, o que possibilita a cada indivíduo fazer a sua escolha pessoal e livre em termos de adesão a essa ou àquela religião ou, se assim preferir, não se filiar a nenhuma, ou mesmo se identificar como ateu. Essa é uma característica dos nossos dias, apesar de a Igreja católica ainda insistir em ter uma presença mais ativa, desejosa de ressacralizar a cultura. Passados o surto secularizante e a preocupação pastoral com problemas comunitários, que marcaram setores da Igreja identificados como progressistas, que floresceram nos pontificados de João XXIII e de Paulo VI, o Vaticano trava uma batalha inglória para recuperar seu poder de interferir, em nome de Deus, na intimidade não somente de seus fiéis, mas de todos os humanos, religiosos ou não. A Igreja romana procura influir no processo instituinte de leis laicas que regulem os costumes em conformidade com seus modelos e rejeita muitas conquistas de movimentos que têm mudado radicalmente a cultura mundial em termos de direitos no âmbito do gênero, da sexualidade, da família, da reprodução humana e outros. Acaba perdendo, ficando para trás. Quando países de formação cultural católica legalizam o divórcio, o aborto, a união homossexual, para citar três temas contra os quais a Igreja católica se bate sem se cansar, não se pode mais falar simplesmente em cultura católica. Na dinâmica das religiões podemos enxergar as mudanças culturais com as quais elas se debatem, bem como suas estratégias. Durante décadas - e isso não faz muito tempo - a Igreja no Brasil combateu a presença da mulher no mercado de trabalho urbano, onde competia diretamente com o homem: trabalho fora de casa e não relacionado com o serviço doméstico ou a educação de crianças representava o contato direto com a cultura masculina, embrutecedora e perigosa para a mulher. Perdeu, teve que aceitar, ajustou-se aos novos tempos. Foi contra o ensino do inglês na escola, porque preferia o francês, mais condizente com os costumes de então; contra o aprendizado do violão e do acordeão, instrumentos de artistas boêmios, recomendava o clássico piano executado com recato na intimidade da família; contra o cinema americano, por sua falta de pudor; contra a moda e o uso de roupa masculina pela mulher, de maquiagem, de saia curta... Para não falar de sexo: jamais fora do casamento. Nesse terreno em que costumava dar as cartas, sua influência se anulou, e os valores religiosos que norteavam a conduta foram substituídos por outros, alheios à religião. Parecem pequenas coisas, mas são exemplos bastante ilustrativos do grau de interferência da religião na vida dos fiéis até os anos 1950 e de sua oposição às mudanças culturais (Prandi, 1974). O pentecostalismo seguiu inicialmente esse rastro moralista de controle dos costumes, depois atenuado por muitas de suas igrejas que se impuseram como modelos de um novo estilo de conversão. No período que vai de 1950 a 1970, o modelo ideal do religioso pentecostal era o crente trabalhador (homem ou mulher) comedido nos hábitos, submisso à autoridade, modesto no vestir, avesso ao consumismo. Dinheiro era coisa do diabo, era perdição. Muito adequado a uma sociedade cuja economia remunerava mal o trabalhador. Em meados dos anos 1970 a economia começou a mudar, e o setor produtivo industrial, que era o carro-chefe do desenvolvimento econômico da América Latina, se viu ultrapassado pelo setor terciário do comércio e serviços. O ideal do operário que produzia e se contentava com um salário baixo foi substituído, de modo crescente, pelo modelo do consumidor inserido num mercado cada vez mais globalizado, em que todos podem comprar muito, mesmo que seja as quinquilharias asiáticas vendidas a preços irrisórios e artigos falsificados mais baratos. O consumo generalizou-se apoiado num sistema de crédito ao consumidor acessível a todos. Nessa nova cultura consumista, o velho pentecostalismo passou a dizer pouco para muitos. Já no final da década de 1970, temos novidades marcantes: a chegada da teologia da prosperidade e o surgimento das igrejas do neopentecostalismo. E a nova religião desdemonizou o dinheiro e o consumo: a Deus apraz que seus filhos gozem de conforto e do acesso aos bens de que dispõe a humanidade (Mariano, 1999). A religião mostra o caminho, estabelece pactos e trocas de favores entre Deus e os homens. A igreja inverte os termos da fidelidade religiosa e garante: "Deus é fiel", conforme o dístico pregado em veículos, supostamente de evangélicos, que circulam pelas ruas e estradas do Brasil. Essa religião já é, portanto, outra, adaptada aos novos tempos, em sintonia com novas exigências culturais. A nacionalização (ou desregionalização) do candomblé a partir da década de 1960 dependeu fortemente de dois fatores: primeiro, da produção de uma arte que valorizava elementos extraídos dos ritos e mitos cultivados nos terreiros, e que serviu para divulgar e legitimar socialmente uma religião que sobrevivera sitiada pelo preconceito racial; e, segundo, do desenvolvimento no país de uma cultura que cada vez mais afrouxava a importância das regulações éticas, mais centrada no indivíduo que agora vivia numa sociedade pós-ética (Prandi, 1991). Ao extravasar dos espaços negros onde surgira para buscar a universalização, o candomblé teve sua expansão facilitada em grande medida pelo fato de ser constitutivamente afinado com aquelas transformações em curso na cultura brasileira, uma vez que ele não se ocupa, nem se preocupa, com a distinção que as religiões cristãs fazem do bem e do mal. O que importa é a realização pessoal e a felicidade do homem e da mulher, garantidas pelas boas relações do indivíduo com o seu orixá. VI A cultura muda. A religião muda. No mundo contemporâneo, em seu lado ocidental, se a religião não acompanha a cultura, fica para trás. Ainda tem fôlego para interferir na cultura e na sociedade, sobretudo na normatização de aspectos da intimidade do indivíduo - especialmente pelo fato de ser religião -, mas seu sucesso depende de sua capacidade de mostrar ao fiel potencial o que ela pode fazer por ele. Dotando-o, sobretudo, dos meios simbólicos para que a vida possa fazer algum sentido e se tornar, subjetiva ou objetivamente, mais fácil de ser vivida, sem que se tenha de abandonar o que de bom este mundo oferece. Suponhamos, por fim, que o crescimento das religiões evangélicas as leve a suplantar o catolicismo em número de seguidores. O evangelicalismo se tornaria a religião da maioria, o catolicismo, de uma minoria. Se isso acontecesse, a cultura brasileira se tornaria evangélica? Dificilmente. O evangelicalismo seria a religião de indivíduos convertidos, um a um, e não a religião que funda uma nação e fornece elementos formadores de sua cultura. O processo histórico dessa mudança seria diferente daquele que forjou a cultura católica na América. Nesse futuro hipotético, cuja factibilidade não está aqui em discussão, a condição dada para que o protestantismo superasse o catolicismo teria implicado, primeiro, a secularização do Estado - já completada no presente -, e depois, a secularização da cultura - que se encontra em andamento. Porque é com a secularização que os indivíduos tornam-se livres para escolher uma religião diferente daquela em que nasceram. Então, quando tudo isso estivesse se completando, por mais cheias que estivessem igrejas, templos, terreiros, a cultura já se encontraria esvaziada de religião. Não haveria a substituição de uma religião por outra. No limite, por muitas outras, não apenas por uma. Referências Bibliográficas ALENCAR, Gedeon. (2005), Protestantismo tupiniquim: hipóteses sobre a (não) contribuição evangélica à cultura brasileira. São Paulo, Arte Editorial. [ Links ] ARRUPE, Pedro. (1978), "Catequesis e inculturación: intervención en el sínodo de 1977". Actualidad Catequética, 18: 76-81. 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Rede Ecumênica Latino-Americana de Missiólogos, disponível em www.missiologia.org.br/artigos/15_incult.php, 6/9t.php, 6/9. [ Links ] Texto recebido e aprovado em 8/8/2008. Reginaldo Prandi é professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da USP. E-mail: rprandi@usp.br. * O presente texto reproduz minha conferência inaugural nas XIV Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, realizadas em Buenos Aires, de 25 a 28 de setembro de 2007. Agradeço a María Julia Carozzi e Alejandro Frigerio e aos demais membros da comissão organizadora pela distinção do convite para abrir as Jornadas de 2007. A Antônio Flávio Pierucci sou grato por críticas e sugestões no preparo do texto. Versão reduzida e modificada foi publicada sob o título "Religions and cultures: religious dynamics in Latin America", em Social Compass, 55 (3): 265-275. Tempo Social Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 05508-010 São Paulo - SP Brasil temposoc@edu.usp.br
SciELO - Scientific Electronic Library Online vol.20 número2Liberdade é filha do conhecimento?Entrevista com Mário Wagner Vieira da Cunha índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos Home Pagelista alfabética de periódicos Serviços Personalizados Artigo pdf em Português ReadCube Artigo em XML Referências do artigo Como citar este artigo Curriculum ScienTI Tradução automática Enviar este artigo por email Indicadores Não possue artigos citadosCitado por SciELO Acessos Article has an altmetric score of 1 Links relacionados Compartilhar Share on deliciousShare on googleShare on twitterShare on diggShare on citeulikeMore Sharing ServicesMais More Sharing ServicesMais Permalink Tempo Social versão impressa ISSN 0103-2070 Tempo soc. v.20 n.2 São Paulo nov. 2008 http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702008000200012 ARTIGOS Religião e modernidade em Ernst Troeltsch Religion and modernity in Ernst Troeltsch Sérgio da Mata RESUMO Este artigo pretende demonstrar a importância da contribuição de Ernst Troeltsch para a sociologia do cristianismo e ressaltar que a atualidade teórica desse pensador advém precisamente de suas divergências e não de suas afinidades eletivas em relação a seu amigo Max Weber. Palavras-chave: Religião; Cristianismo; Modernidade; Intramundanidade. ABSTRACT This paper aims to show the importance of Ernst Troeltsch's contribution to the sociology of Christianity, arguing that the contemporary significance of Troeltsch's theories derives precisely from their divergences from those of his friend Max Weber, rather than their elective affinities. Keywords: Religion; Christianity; Modernity; Diesseitigkeit. Le christianisme est une forêt d'interprétations, que Troeltsch, le premier et le seul, a tenté de débroussailler. ÉMILE POULAT Introdução "Há pouco, com Ernst Troeltsch, a Alemanha perdeu uma personalidade que, tal como Max Weber, personificava a unidade e o universalismo das ciências do espírito." Assim se expressou Max Scheler (1963, p. 377) quando da morte de Troeltsch. De fato, Ernst Peter Wilhelm Troeltsch (1865-1923) pertenceu a uma das mais importantes gerações de representantes das "ciências do espírito" alemãs, figurando ao lado de homens como Simmel, Dilthey, Husserl, Scheler, Meinecke e Weber. Sua influência estendeu-se para muito além da teologia, sua disciplina de origem, fazendo-se sentir também na sociologia, filosofia, teoria da história e ciência da religião. Foi um pensador vigoroso e original, um escritor infatigável, um político atuante. No Brasil, e à diferença dos nomes acima citados, Troeltsch pode ser considerado um ilustre desconhecido. O fato de que se trata de um teólogo de formação seguramente contribuiu para isso. A existência de uma cesura entre ciência social e teologia (que em absoluto é um fenômeno especificamente brasileiro) não se explica apenas pelo caráter marcadamente normativo da segunda. A disputa se dá, antes, no plano cognitivo, uma vez que ambas têm - ou tiveram, até um passado relativamente recente - a pretensão de "explicar" a religião. Como se sabe, o diálogo nunca é coisa fácil entre concorrentes1. Debruçando-me sobre os escritos de Troeltsch, tenho em mente um duplo objetivo. Trata-se de dar uma modesta contribuição à recepção, entre nós, da obra daquele que Hartmut Lehmann qualificou de um dos "gigantes" alemães da sociologia da religião (cf. Lehmann, 1999, p. 295), como também, subsidiariamente, de insistir na idéia de que algum diálogo entre os dois concorrentes em questão não chega a ser uma absurdidade2. Nesses tempos em que a influência do protestantismo no campo religioso brasileiro atinge (numa perspectiva histórica) um patamar inédito, a compreensão da relação entre protestantismo e mundo moderno passa a ser uma prioridade em termos teóricos. Nos últimos anos, tornou-se comum ver nessa expansão protestante, ou, antes, no great awakening evangélico e pentecostal, uma "ameaça" a valores e princípios especificamente modernos. A fim de saber até onde tais temores se justificam ou não, impõe-se a tarefa prévia de identificar algumas das linhas de força que atravessam a história do protestantismo. Para tanto, a obra de Troeltsch assume uma importância de primeira ordem. É hora, acredito, de retornar a ela. E de demonstrar sua importância e atualidade. A modernidade em Troeltsch Aos olhos de Míchkin, protagonista de O idiota de Dostoiévski, os homens de seu tempo padecem "de uma dor do espírito, de uma sede do espírito, de uma nostalgia por uma causa elevada". Há descrença, é certo, mas ela freqüentemente se transforma em seu oposto: "os nossos não só se tornam ateus como passam a crer forçosamente no ateísmo como se fosse numa nova fé" (Dostoiévski, 2002, p. 609). A descrença não passaria de auto-engano. Era como um tormento, em todo o caso, que ele vivia a expectativa de declínio da religião. Como Troeltsch via essa questão? Afinal suas questões eram, num plano mais profundo, as mesmas do genial escritor russo. Troeltsch conhecia bem a posição de Weber, no entanto suas investigações levaram-no a conclusões bem distintas das - senão opostas às - de seu colega e amigo. O que me parece incontestável é que Troeltsch se dedicou mais freqüente e sistematicamente que Weber a analisar a situação religiosa de seu próprio tempo. A partir do estudo de alguns de seus escritos, buscarei distinguir com maior clareza o que efetivamente separa a perspectiva de Troeltsch da de Weber. E, no que diz respeito ao problema da religião na modernidade, em que pontos o primeiro elabora um diagnóstico mais preciso e sofisticado que o segundo. Ainda uma última palavra a esse respeito. Deve-se imputar ao "mito Max Weber" a idéia, defendida por alguns autores, de que esses dois homens desenvolveram suas pesquisas conjuntamente, partindo das mesmas premissas, e, sobretudo, a idéia de que tais premissas haviam sido estabelecidas por Weber. Somente a força de tal mito, aliada ao desconhecimento dos trabalhos e da trajetória de Troeltsch, justificam afirmações como a de que ele teria delineado "uma perspectiva unilinear da secularização" (Martelli, 1995, p. 280), ou ainda a de que partilharia com Weber uma "avaliação pessimista do papel da religião na sociedade moderna" (Iggers, 1997, p. 238). Em 1907, Troeltsch publica um longo ensaio sobre A essência do mundo moderno. Sua intenção ali é, num primeiro momento, identificar o que vem a ser isso, "modernidade". Somente depois é que se poderia falar do lugar (ou do não-lugar) da religião na mesma. Para Troeltsch, toda e qualquer tentativa de discutir a questão da orientação do indivíduo contemporâneo pressupõe uma análise histórica das diferentes forças que se articularam e impuseram como eixos definidores de sua identidade. É do choque e das interinfluências recíprocas desses distintos componentes culturais e institucionais que resulta o "espírito" moderno. Essa última distinção, por si só, impõe uma constatação: as forças éticas, religiosas e ideológicas são de natureza mais instável, e nem sempre se apresentam em seu estado de pureza original, pois não é raro que haja entre elas algum grau de hibridização. Já as forças institucionais, sociais e econômicas tendem a ser mais estáveis. Troeltsch julga que o caminho correto consiste em começar pela análise das últimas, e somente então se deter sobre as primeiras. Apenas o entendimento da lógica dos seus fundamentos concretos permitirá iluminar o funcionamento e a dinâmica da "camada superior da cultura" (Troeltsch, 1925, pp. 301-302). A primeira dessas instâncias "concretas" é o Estado. A Idade Moderna marca não apenas sua vigorosa afirmação nos planos econômico e político; ela assiste a sua emancipação também no plano das idéias. Em sua luta contra o poder eclesiástico, ele adquire consciência de sua autonomia enquanto instância de poder no plano "terreno". Por outro lado, e à diferença da outrora poderosa Igreja, o Estado reconhece que não pertence às suas atribuições o domínio sobre a totalidade da vida dos indivíduos. São dois, no entender de Troeltsch, os aspectos que o caracterizam. A alteração radical dos seus mecanismos de legitimação leva ao que ele chama de Diesseitigkeit, que podemos entender como um reforço e uma preeminência da esfera da imanência. Seus fins são destacadamente "terrenos". Tudo o que se situa além dessa esfera não lhe diz respeito. O segundo traço é o racionalismo. Para o homem moderno, o Estado torna-se "a providência racional e imanente em lugar da divina e irracional" (Idem, p. 303). Verdade é que, ao desvencilhar-se do poder religioso, o Estado não foi capaz de produzir "valores e verdades" que substituíssem plenamente aqueles aos quais minara. Diante, porém, dos grandes embates político-sociais dos séculos XVII-XVIII, surgem tentativas de transformar o Estado em algo mais - numa esfera que englobasse em si "a totalidade da cultura e da razão". Ele seria a própria razão objetivada. Tal ideal nunca chegou a se realizar completamente, mas encontrou sua expressão filosófica (Hegel). Iniciativas como a estatização do sistema educacional demonstram que o poder político procurou elaborar instâncias alternativas de produção de sentido. Troeltsch identifica um paradoxo nesse movimento. Ele constata, de um lado, uma "racionalização radical da existência até a corporificação de toda a cultura racional no Estado, e, de outro, novamente um sentimento oposto em favor dos direitos majésticos da esfera pessoal-individual, do religioso e do espiritual com suas inúmeras forças irracionais" (Idem, p. 304). A segunda grande força é o individualismo político. Este, por sua vez, divide-se em duas correntes principais: o "racionalista" e o "irracionalista". Para o individualismo político racionalista, a ação do Estado não se contrapõe à liberdade individual (ele predominaria no pensamento de Rousseau e no ideário socialdemocrata). De outro lado, há o individualismo irracionalista, contrário ao poder ilimitado do Estado e, portanto, inclinado ao controle e à regulamentação de toda ação estatal (modelo majoritário no mundo anglo-saxão e nas nações influenciadas pelo "antigo liberalismo"). Ao individualismo racionalista correspondeu uma democracia da igualdade (Gleichheitsdemokratie), ao irracionalista, uma democracia da liberdade (Freiheitsdemokratie)3. A terceira força é o capitalismo. Para além da transformação radical da esfera material e das relações entre as distintas classes sociais, as conseqüências culturais são igualmente importantes: radicalização do impulso aquisitivo, intensificação sem precedentes do ritmo do trabalho, ânsia desmedida por luxo e bem-estar, além de um "colossal materialismo prático". O resultado: uma transposição de todos os interesses, pensamentos e expectativas humanas para o plano da imanência. Confiança desmedida nas capacidades humanas, racionalização, até mesmo auto-idolatria: eis o estado de espírito do homem moderno (cf. Idem, p. 309). De um ponto de vista mais amplo, entretanto, o capitalismo exerce um efeito despersonalizador. Ele "gera um análogo da escravidão antiga e da servidão medieval, que destitui totalmente essas formas antigas de seus elementos pessoais e mantém povos e Estados na dependência de forças financeiras internacionais" (Idem, p. 310). Esses seriam os três pilares do mundo moderno. Resta a análise do edifício cultural erigido sobre tal "infra-estrutura". Troeltsch decompõe-no em suas diversas camadas, a começar pela esfera jurídica. As transformações no direito penal, o desenvolvimento de uma moral laica de responsabilidade social (oposta ao mero assistencialismo eclesiástico) e a elevação do ideal de humanidade ao status de princípio social fundamental e sucedâneo do amor cristão ao próximo revelam o esgotamento do antigo sistema de valores, que extraía do sobrenatural sua legitimação e efetividade. A seguir, temos a ciência. Troeltsch vê nela "a verdadeira guia da vida moderna. Vencedora em sua batalha contra o dogma e a Igreja, ela imprime a sua marca ao mundo moderno e transforma-o numa civilização reflexiva" (Idem, p. 313). Para sua origem concorreu principalmente o desenvolvimento das ciências naturais, que estabeleceram a observação e a experimentação como caminhos obrigatórios para a descoberta das leis que governam o universo. Surgem, em face de seus sucessos, a "crença na onipotência do método" e o otimismo naturalista, segundo o qual tudo poderia ser explicado desde que se empreguem os mesmos procedimentos (cf. Idem, p. 314). O excesso de otimismo impediu a ciência natural moderna de perceber os limites do método e dos conceitos por ela formulados, uma vez que a esfera histórico-social apresentaria características próprias (daí que o desenvolvimento das ciências humanas seja um fenômeno tardio)4. As origens distantes das ciências do homem devem ser buscadas na Renascença e no protestantismo, e o espírito que as anima não é outro senão o da crítica. O advento do historismo implicou a primeira grande revolução do saber histórico-cultural: em vez da trajetória linear e racional da humanidade, pensada pelo iluminismo, desenvolve-se uma visão mais complexa e multifacetada da dinâmica social. Mas o historismo trouxe consigo um problema novo e desafiador: o relativismo. Ao apresentar "toda formação como uma manifestação individual específica", o relativismo "não deixa espaço algum para verdades e ideais absolutos, indistintamente válidos" (Idem, p. 318)5. A arte não pôde deixar de manifestar todo esse gigantesco movimento que conduz ao mundo moderno, sobretudo na medida em que espelha a redescoberta da imanência e do próprio indivíduo. A despeito disso, Troeltsch não identifica na arte dos primeiros anos do século XX um diálogo seja com o individualismo político-democrático, seja com a vida estatal e econômica. A arte de seu tempo manter-se-ia alheia, senão pessimista, diante da realidade político-social. Quanto à filosofia: ao afastar-se decididamente da religião da Igreja, especializar-se e tornar-se cada vez mais complexa, encolhe seu impacto social global. A importância cultural da filosofia moderna residiria, antes, em dois princípios básicos: ausência de pressupostos (pressupostos metafísicos, bem entendido) e exigência de cientificidade da visão de mundo. Os sistemas filosóficos aumentam em número, complexidade e abrangência, a afirmação de um resultando quase sempre da invalidação de outro. Para Troeltsch, as conseqüências desse quadro são "um ceticismo desagregador, uma conscientização que elimina toda espontaneidade, a crença no poder exclusivo da ciência e da evidência, e, por fim, sobretudo, o culto das autoridades científicas como forma de salvação, e que se transforma numa tirania das teorias da moda" (Idem, p. 322). No seu entender, a filosofia "colocou à prova e esgotou todos os pontos de vista possíveis; agora as pessoas estão cansadas e se limitam aos fatos e a um utilitarismo compreensível a qualquer um, ou [então] transforma-se a filosofia em história da filosofia" (Idem, p. 323). A moral liberta-se igualmente de suas amarras religiosas. As antigas motivações, hauridas da crença num "além" que premia ou condena, são agora transferidas para o horizonte estreito do hic et nunc. Também aqui, a palavra-chave passa a ser "ceticismo". Entre as massas, o quadro lhe parece multifacetado. Para alguns, os valores principais são ainda os cristãos; para outros, contudo, há uma diversidade de sucedâneos à disposição: iluminismo, patriotismo, consciência de classe etc. Chegamos, enfim, à religião, última das esferas analisadas por Troeltsch. Pelo visto até o momento, tudo pareceria confirmar a tese de Weber quanto ao desencantamento do mundo6. Mas é precisamente aqui que o diagnóstico de um se afasta do do outro. Enquanto Weber denuncia o "protestantismo de fachada" das Igrejas luterana e evangélica de seu tempo7, Troeltsch acredita que Igrejas e seitas, "a despeito de todas as sentenças de morte", continuam a dispor de um poder considerável (cf. Idem, p. 327). A partir do século XVII as divisões interconfessionais passam a demandar um clima de tolerância não apenas entre elas, mas, sobretudo, do Estado em relação a cada uma, indistintamente. Tanto nos países anglo-saxões como na França a separação entre Estado e Igreja torna-se uma realidade. Eis aí um outro aspecto típico do mundo moderno. Mas não é esse o ponto decisivo. Troeltsch vê Igrejas e seitas como formas de institucionalização da vida religiosa típicas de uma época que já não é a nossa. Em termos concretos, equivale a dizer que "a religião moderna não se esgota nas Igrejas". Para além delas, há toda uma variedade de formas de vida religiosa extra-eclesiásticas, que uma abordagem sociológica convencional não está em condições de perceber. Em que pese a vitalidade da religião, para Troeltsch não parece haver nenhuma grande novidade no multifacetado universo da religiosidade extra-eclesiástica. Há ali um pouco de tudo: uma fé cristã interiorizada e, ao mesmo tempo, intimamente articulada com o ideário moderno; um idealismo ético de extração kantiana-fichteana, mesclado com elementos das doutrinas de Goethe e Hegel; um sincretismo radical em que cabem princípios religiosos das mais distintas tradições; comunidades espíritas e ocultistas nas quais antigos cultos aos espíritos são revividos; uma volátil religião artificial (freischwebende Kunstreligion) que procura mesclar fruição estética e experiência da natureza; reavivamentos pessimistas e salvacionistas que se articulam antes ao budismo que ao cristianismo; uma ânsia de religião sem expressão sociológica coerente e que, entretanto, recua diante de toda e qualquer idéia "religiosa"; um pensamento cristão que se ampara unicamente na certeza íntima da revelação divina, que a constrói por intermédio da história e que aposta numa renovação ética da personalidade individual e coletiva com base na crença em tal revelação (cf. Idem, pp. 328-329). Some-se a esse quadro a costumeira indiferença religiosa dos meios intelectuais e o ateísmo. Troeltsch percebe, como Dostoiévski, em que medida uma postura anti-religiosa pode dar origem a religiões de substituição. A socialdemocracia alemã, afirma ele, encontra seu correlato da doutrina do pecado original na idéia de perversidade da sociedade burguesa, sua doutrina da salvação e seu além-mundo na projeção de uma forma estatal que haverá de vir no futuro, e seu substituto para Deus na crença em um progresso racional e inexorável. Se Troeltsch não nega que o mundo contemporâneo se encontra em meio a uma "grave crise religiosa", esta, aos seus olhos, nada tem de definitiva ou irreversível. Herdeiro intelectual da "escola da história da religião" (Religionsgeschichtliche Schule) dos seus tempos na Universidade de Göttingen8, ele se coloca na contracorrente dos arautos da inevitabilidade do processo de secularização e da "morte de Deus". Uma análise histórica demonstraria, na verdade, que "uma época fundamentalmente determinada por idéias religiosas é sucedida, no movimento pendular do tempo, por outra essencialmente mundana e débil em termos religiosos" (Idem, p. 329). Seriam duas as formas básicas de cristianismo disponíveis: de um lado, o eclesiástico (Troeltsch refere-se aqui tanto às igrejas como às seitas) e, de outro, um cristianismo amalgamado com inúmeros elementos da cultura moderna. "Nenhum outro desenvolvimento futuro é imaginável", acredita ele9. Como suas análises se limitam aos continentes europeu e norte-americano, e num momento em que a diversidade do campo religioso ocidental se dava primordialmente no interior da tradição cristã, há que reconhecer a limitada aplicabilidade do seu diagnóstico à nossa época e contexto próprios. Não obstante, desde que tenhamos essas limitações em mente, as reflexões de Troeltsch permanecem válidas em muitos dos seus postulados centrais. A história espiritual e religiosa dos últimos séculos deu origem a uma cultura religiosa que, mais cedo ou mais tarde, tende a repudiar o autoritarismo eclesiástico - tanto o católico como o protestante. Tal cultura leva "à superação das igrejas e de suas autoridades sobrenaturalmente reveladas" (Idem, p. 330), na medida em que indivíduo e imanência se tornam conceitos centrais. Por outro lado, Troeltsch estava consciente do fato de que na contemporaneidade não há mais espaço para monopólios. Quem diz modernidade, diz pluralização: "pertence à essência do próprio mundo espiritual moderno produzir as mais distintas correntes de idéias" (Idem, p. 331). Tentativas de reconstituir um domínio total da religião sobre a vida estariam invariavelmente fadadas ao fracasso: "Acabou o mundo eclesiástico da Idade Média, com sua autoridade, seu supranaturalismo e sua cosmovisão filosófica da natureza e da história, sua antropologia e sua psicologia, seus livros [divinamente] inspirados e suas tradições sagradas" (Idem, p. 333)10. Haveria, nesse caso, uma oposição insuperável entre modernidade e cristianismo? Nada mais falso: "Os adeptos do cristianismo têm de aprender a ver no mundo moderno, em grande parte, um produto do cristianismo; e os inimigos do cristianismo precisam convencer-se de que o mundo moderno pode ser emancipado do cristianismo apenas em relação a alguns aspectos, mas nunca em sua totalidade" (Idem, p. 332). De maneira que para o teólogo Troeltsch a postura mais apropriada não poderia consistir numa negação radical da modernidade (como insistia em fazer a Igreja católica)11, mas na identificação cuidadosa daquilo que porventura representasse uma ameaça real, bem como na busca de estratégias apropriadas para lidar com tais "perigos". O que ele propõe é um meio-termo entre reação inteligente e acomodação. Mas fica-nos a suspeita, ao fim, de que seu estudo revelou um complexo de forças de tal magnitude que o homem ocidental está, por assim dizer, condenado a ser moderno: "Somos filhos do tempo e não senhores do tempo, e somente a partir dele é que podemos agir" (Idem, p. 337). A face antimoderna do "velho" protestantismo Durante muito tempo, seu estudo sobre o significado do protestantismo para a formação do mundo moderno (cf. Troeltsch, 1951) foi considerado a expressão mais evidente da "influência" de Weber. Quando da publicação da sua primeira versão, pareceu a alguns que esse ensaio estava umbilicalmente ligado à Ética protestante. O historiador Felix Rachfahl postulou até mesmo a existência de uma "tese de Troeltsch-Weber". Tanto Weber, em suas "anticríticas", como Troeltsch apressaram-se a afirmar que seus trabalhos não haviam sido elaborados em conjunto12. Num certo sentido, Rachfahl não estava inteiramente errado em associá-los entre si. Havia muito em comum entre esses dois homens, embora o atual culto acadêmico a Weber não permita perceber, em especial para o público acadêmico situado fora da Alemanha, em que medida eles se influenciaram reciprocamente (cf. Graf, 1988). Todavia, e para isso poucas vezes se atentou, não são menos evidentes as diferenças entre esses dois brilhantes ensaios. Sua publicação, aliás, deu-se quase que simultaneamente (a Ética em 1904-1905, e o "Significado" em 1906). Duas diferenças manifestam-se desde logo: para Troeltsch a modernidade inviabilizou não a religião, mas - como foi visto acima - toda e qualquer possibilidade de reerguer uma "civilização eclesiástica". Por outro lado, em Troeltsch a ênfase não recai, como em Weber, no processo de racionalização ocidental, mas no individualismo ocidental13. A originalidade de Troeltsch está em sua demolidora crítica à crença, corrente entre evangélicos e luteranos da Alemanha fin de siècle, na suposta "superioridade" do protestantismo diante do catolicismo. Fiquemos apenas em alguns exemplos. O historiador Heinrich von Treitschke afirmara que o protestantismo seria o fundamento de tudo o que há de "grande e nobre" no mundo moderno. Um político liberal como Friedrich Naumann (de quem Weber se sentia tão próximo) gostava de citar uma frase do teólogo Gerhard Uhlhorn segundo a qual "a máquina tem algo de protestante". A imprensa alemã vira na vitória norte-americana sobre a Espanha na guerra de 1898 a expressão da "inferioridade" católica (cf. Nipperday, 1995, p. 78). Não parece infundado atribuir a essa pretensão de superioridade protestante parte da responsabilidade pela grande repercussão causada pela Ética protestante e o espírito do capitalismo no meio acadêmico alemão, uma vez que tal superioridade parecia agora - ao menos no que diz respeito à esfera econômica - cientificamente "demonstrada"14. O que se vê em Troeltsch é algo totalmente distinto. Sua tese: não se pode postular que a civilização moderna seja um produto do protestantismo. De fato, o que se constata é uma oposição entre o protestantismo dos séculos XVI-XVII e a modernidade. Se a problemática de fundo e mesmo a forma de abordagem de Troeltsch são basicamente as mesmas de Weber15, suas conclusões não se prestam a qualquer espécie de autoglorificação protestante. O velho protestantismo sem dúvida significara um maior acento na imanência; entretanto a persistência da idéia de pecado original teria mantido nele a desvalorização do "mundo". Paradoxalmente, o advento do protestantismo significou um revigoramento momentâneo do ideal medieval de uma "civilização eclesiástica" - seja diretamente, na Genebra de Calvino, seja indiretamente, ao suscitar a restauração católica. Até mesmo a "abertura" luterana para a moral moderna não deve ser superestimada. O fim do celibato foi contrabalançado por uma ênfase ainda mais intensa no preceito da virgindade pré-nupcial. O calvinismo, de sua parte, "converteu a vida amorosa em um meio para um fim [a procriação], quando não a eliminou" (Troeltsch, 1951, p. 54). Troeltsch faz reparos à famosa tese de Jellinek (2003) sobre a origem puritana dos direitos civis. "A democracia genuína", afirma, "é estranha ao espírito calvinista e pôde originar-se dele apenas naqueles casos nos quais, como ocorria na Nova Inglaterra, estavam ausentes os velhos estamentos da Europa" (Idem, p. 64). Contudo, mesmo os territórios de maioria puritana repudiavam a noção de liberdade de consciência "como uma espécie de ceticismo ateu". Rhode Island e Pensilvânia, as mais democráticas das colônias, não eram calvinistas e sim de maioria batista e espiritualista (cf. Idem, p. 67). E quanto à esfera econômica? Não deixa de surpreender a independência do pensamento de Troeltsch, que, não nos esqueçamos jamais, nunca deixou de se definir como teólogo. Segundo ele, "o desenvolvimento, efetivamente maior, da população protestante alemã deve contar com outras razões, mais poderosas do que as religiosas" (Idem, p. 71). Ele concorda com Weber no que diz respeito ao impacto econômico gerado pelo ascetismo intramundano calvinista, mas acredita que outros fatores, tais como a situação econômica peculiar do Ocidente e o desterro dos dissidentes rumo à América, tiveram também a sua importância. Já no campo social, o protestantismo mostrou-se majoritariamente conservador. Apenas grupos batistas radicais defenderam reformas sociais de maior alcance. De resto, conclui Troeltsch, "condena-se rigorosamente o espírito revolucionário" (Idem, p. 81). Em resumo, todos os grandes avanços modernos teriam operado sem o influxo direto do velho protestantismo luterano e calvinista, quando não a despeito dele. É inegável que seus efeitos econômicos (no caso do calvinismo) se fizeram sentir. Contudo, eles foram, para Troeltsch, um produto indireto e involuntário das idéias religiosas propriamente ditas. Para ele, "o protestantismo é, em primeira instância, uma potência religiosa, e somente em segunda ou terceira instância uma potência cultural no sentido estrito da palavra. Não se deve estranhar, portanto, que seus verdadeiros efeitos radiquem também no campo religioso" (Idem, p. 92). Advento de uma religião de fé (Glaubensreligion), de uma ética da convicção (Gesinnungsethik), abertura para o mundo (Weltoffenheit) e individualismo religioso. Eis aí as quatro potências especificamente religiosas introduzidas pelo protestantismo. As transformações impostas pelo Estado, pela economia, ciência e arte modernas não implicariam uma acentuação de algo originariamente produzido pelo próprio protestantismo, "mas valores inteiramente novos, uma ênfase nos interesses mundanos por si mesmos e uma idolatria e dominância do mundo na arte e na ciência que são o oposto da velha 'ascese intramundana'" (Idem, p. 87). A individualização da religião Em 1910, Troeltsch proferiu uma conferência sobre Individualismo religioso e Igreja diante de uma audiência composta, em sua maioria, de pastores. O texto, publicado um ano depois, divide-se em duas partes. Na primeira, Troeltsch procura fazer um raio X "objetivo" do problema, enquanto na segunda propõe algumas estratégias no plano especificamente pastoral. Interessa-nos aqui, é claro, somente essa primeira parte. Troeltsch mostra que a expressão mais evidente do individualismo religioso é a crescente recusa do modelo eclesiástico (Unkirchlichkeit). Ele sustenta que [...] as causas disto não são, de forma alguma, uma oposição especial à religião e às coisas religiosas; pelo contrário, trata-se de uma recusa específica do modelo eclesiástico e uma aversão à forma da Igreja e aos pressupostos da Igreja. A opinião corrente é: a religião não é nada que possa ser exercido em comunidade; nada, em absoluto, que possa ser construído de maneira análoga; ela é uma coisa privada do indivíduo. [...] As causas deste fenômeno indicam, em grande medida, que a vida religiosa está a procurar outros caminhos que não os eclesiásticos (Troeltsch, 1913, p. 110). Tal individualização se verificaria até mesmo no interior das Igrejas. Aversão generalizada ao modelo eclesiástico (Kirchenfeindschaft), saturação eclesiástica (Kirchenüberdruss): sinais visíveis de sociedades em pleno processo de desencantamento? Troeltsch, como já demonstrei, não acredita nisso. Para ele, o que se coloca numa relação em particular difícil com o mundo moderno são as Igrejas tradicionais, não a religião. O que, precisamente, deixou de "funcionar" nelas? Que outras formas alternativas de organização religiosa cristã podem ser verificadas na história, e qual delas resistiria melhor - e por quê - ao impacto da modernidade? Historicamente, verificam-se dois tipos sociológicos básicos de organização cristã: a Igreja e a seita16. Por sua própria constituição, a Igreja tende a ser uma instituição conservadora, com pretensões universalistas, que se autodefine como instituto de salvação e que minimiza a importância da vida religiosa interior. É precisamente essa minimização que possibilita o surgimento de grandes Igrejas, uma vez que um controle mais rígido das disposições morais e de fé dos adeptos é incompatível com o crescimento quantitativo a que aspira a Igreja (Idem, p. 113). Igrejas, por definição, não podem caracterizar-se por um rigorismo extremo no plano religioso e moral. Com as seitas dá-se o oposto. Elas tendem à inflexibilidade, à ênfase na obediência literal e ao radicalismo com que os adeptos observam tradição e dogmas comuns. Isso se expressa na prova (sempre renovada) da certeza da própria conversão interior e numa conduta de vida em tudo condizente com essa certeza. Sectários vêem-se normalmente como uma "elite" religiosa. Tendem a ser críticos em relação à "permissividade" das Igrejas, razão pela qual a forma mais comum assumida pela seita é a comunidade fechada. A salvação, nas seitas, não é algo que se obtém por intermédio de meios de salvação (sacramentos), mas de uma submissão integral do ser à fé. Como as seitas existem desde o início da história do cristianismo, pode-se dizer que a crítica à Igreja é tão antiga quanto a própria Igreja. E, sobretudo: o que adquire centralidade, nas seitas, é o sentimento religioso e a fé individual. "A partir de tais concepções", assevera Troeltsch (1913, p. 114), "é que temos de compreender boa parte do nosso individualismo e subjetivismo religioso contemporâneos. Pois tão logo este [individualismo e subjetivismo] sai dos fechados círculos sectários e da vida comunitária dos grupos pietistas, ele se transforma em puro individualismo." Para aqueles que não se adaptam nem ao autoritarismo das Igrejas, nem ao estilo de religiosidade heróica das seitas, resta a fuga para o império da mística (Reich des Mystischen). Em meio à nova constelação cultural global advinda da e com a modernidade, "não se sabe o que há de vir; sente-se que o pensamento religioso do homem passará por uma transformação integral, e que, tal como está, não poderá ficar. Nestas condições, tem-se a sensação de uma constrangedora insegurança" (Idem, p. 116). Tal como o homem de ciência, o homem religioso contemporâneo está marcado pela exigência de autonomia intelectual. Também ele vive à procura de respostas ("Wir sind allseitig Suchende", escreve Troeltsch), no entanto, está condenado a fazê-lo sozinho. De modo que, na construção de suas próprias convicções religiosas, o caminho do indivíduo tende a ser extra-eclesiástico. O individualismo religioso ocidental alimentou-se do clima intelectual moderno e da ênfase na interioridade, uma herança das seitas cristãs. A essas causas, Troeltsch acrescenta uma terceira: a dissolução do senso de pertencimento comum a instituições divinamente fundadas. Para a sensibilidade moderna, "toda comunidade brota do trabalho e da vontade consciente dos indivíduos" (Idem, p. 117). De um lado, isso se expressa no desenvolvimento e na afirmação da doutrina liberal. De outro, na propagação do livre-associacionismo religioso. O que, por sua vez, exerceria um efeito desagregador sobre as antigas Igrejas, pois como elas podem se impor num mundo em que o princípio da associação voluntária se torna uma idéia dominante? Sob o influxo do liberalismo, da democracia e da cultura moderna, "tanto a Igreja quanto a comunidade religiosa não podem ser nada além de associações constituídas livremente". Chegamos a uma situação em que "todos os que não querem participar na Igreja não precisam participar, e somente os que o podem é que de fato concordam; de modo que a desagregação da Igreja em conventículos isolados e a formação de uma grande massa de pessoas sem Igreja (kirchenlose Masse) seriam as conseqüências naturais" (Idem, p. 118). Nada disso é pura teoria para Troeltsch; ele vê na crescente difusão de seitas e formas de vida comunitária a concretização dessas tendências. Finalmente, a privatização da religião atinge os seus extremos. Os comentários de Troeltsch a esse respeito têm algo de pitoresco, mas também de atual. Nos dias de hoje, diz ele, [...] pessoa alguma pergunta a outra por sua religião e confissão; só se mantêm sobre isso conversações desagradáveis; é uma descortesia quando, inoportunamente, se pergunta a alguém o que ele pensa a respeito. Cada um sabe perfeitamente, de antemão, que a religião, como santuário do indivíduo, deve ser também um segredo individual (Idem, pp. 120-121). Tudo isso expressa, ao fim e ao cabo, o processo de individualização por que passa a vida religiosa. Mais uma vez surpreende que um mapeamento como esse se fizesse logo na primeira década do século passado, numa direção exatamente oposta à teoria durkheimiana e seu postulado máximo de que vida religiosa e socialização seriam apenas as duas faces da mesma moeda. Troeltsch antecipou, dessa maneira, problemáticas para as quais as ciências humanas só acordaram há relativamente pouco tempo, o que parece indicar que alguns dos pressupostos da teoria social clássica representaram antes um entrave que uma via de acesso a uma realidade que era a de ontem e que, num certo sentido, continua a ser a de hoje. Presente e futuro do cristianismo Se a oposição de Troeltsch àquilo que Evans-Pritchard chamou de "metafísica sociológica" durkheimiana não chega a ser completamente explicitada, o mesmo não se pode dizer da perspectiva de Simmel. Troeltsch dedica boa parte de um balanço de 1911 sobre A Igreja na vida do presente a contestar a previsão de Simmel de que as instituições eclesiásticas estariam condenadas pelo avanço da ciência17. Para ele, as igrejas cristãs encontravam-se diante de uma crise de grandes proporções, mas não num beco-sem-saída histórico. Traçando um painel da situação das diversas Igrejas nacionais, Troeltsch mostra que as coisas não se passavam como imaginava Simmel. Nos países latinos predominava ainda "um catolicismo rígido, cada vez mais centralista e romanizado". Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a despeito da "indiferença e do ceticismo", as Igrejas continuavam a desfrutar da condição de "grandes forças social-históricas". Na Alemanha, e de maneira invertida em relação à França, a imbricação entre Estado e Igreja levara a um enquadramento religioso do funcionalismo, de tal modo que "um subtenente não-batizado é algo tão impossível como um condutor de trem laico" (Troeltsch, 1979, pp. 162-163). A essa diversidade de situações se sobrepõe ainda uma clivagem segundo os diversos estratos sociais. Troeltsch reconhece que trabalhadores socialdemocratas, intelectuais e pessoas pertencentes aos meios artísticos e burgueses estavam já de todo afastados das Igrejas. Não era o caso, porém, do campesinato, pequeno-burgueses, aristocracia e classes dirigentes. Convicto do avanço do individualismo religioso e, possivelmente, repercutindo o verdadeiro culto à comunidade (Gemeinschaft) que se desenvolveu na Alemanha das primeiras décadas do século passado, Troeltsch acredita que "é de se esperar uma expansão crescente das seitas". Por outro lado, a maior plasticidade das Igrejas também lhes permitiria adequarem-se minimamente às demandas do presente. Seria precipitado "falar de uma morte lenta das Igrejas e do cristianismo". Pelo contrário: não é inimaginável que mesmo na modernidade venha a se produzir "uma forte reação religiosa" (Idem, p. 166). Se assistimos à inversão de toda a nossa ordem de prioridades no sentido da imanência, conjugada com uma cultura religiosa crescentemente individualizada e individualista, e se o relativo estreitamento das possibilidades das instituições eclesiásticas estão igualmente claros para Troeltsch, que novas alternativas surgiram a fim de dar conta daquela "nostalgia por uma causa elevada" a que se referia Dostoiévski? Em outros termos, quais são as possibilidades futuras do cristianismo? Troeltsch aventurou-se a fazer esse exercício de prospecção num artigo assim intitulado, publicado no primeiro número da revista Logos. Troeltsch concentra seu olhar sobre um novo tipo, que ele denomina "livre-cristianismo". De que se trata, afinal? Em primeiro lugar, ele substitui a associação eclesiástico-autoritária por um senso de interioridade constituído livre e individualmente a partir da força da solidariedade tradicional; em segundo lugar, ele transforma a antiga idéia cristã fundamental de regeneração milagrosa de uma humanidade mortalmente infectada pelo pecado numa idéia de elevação [espiritual] salvadora e de libertação da personalidade por intermédio da adoção, a partir de Deus, de uma vida individual mais elevada (Troeltsch, 1911, p. 167). A questão-chave consiste em saber se tal formação seria de fato viável, se poderia vir a ser promissora, se se resumiria ao "último eco de uma cristandade que se desagrega" (Idem, p. 167) ou mesmo se não passaria de uma intervenção indevida dos anseios e das inquietações do teólogo sobre o estudioso do universo religioso ocidental. Mais uma vez: Troeltsch não acredita na possibilidade de uma transformação radical do cristianismo, e menos ainda num refluxo definitivo do religioso. Uma síntese religiosa abrangente, totalizante, capaz de conferir um sentido último e integral à existência, parece-lhe igualmente improvável. Se algo, porém, é capaz de aproximar-se desse ideal, seria o livre-cristianismo. Suas chances advêm de um ideal de divindade profético-cristão que não teria sido inviabilizado pela modernidade. Se isso se torna possível, é porque um amplo processo de racionalização não é, aos seus olhos, algo tão evidente como o fora para Weber. Entendida num sentido mais estrito, a racionalização é um processo nunca realizado por completo, pois "os motivos irracionalistas estão tão fortemente representados no pensamento moderno quanto os racionalistas" (Idem, p. 170). São esses hiatos que tornam possível a existência ou a persistência de visões de mundo teístas-personalistas. Com a crise dos modelos eclesiásticos tradicionais, o caminho pareceria estar aberto para a terceira das manifestações sociológicas concretas do ideal cristão: a mística. Não se trata, para Troeltsch, de uma simples religiosidade espontânea, de uma "mística sem forma nem conteúdo". Trata-se de uma "mística do Cristo" supostamente capaz de unir indivíduos em torno de um culto. Residiria aí "o núcleo de todo cristianismo autêntico e verdadeiro, ao menos enquanto este existir" (Idem, p. 173). Nada disso implica uma manutenção das antigas concepções cristocêntricas do mundo ou da história. Graças a seu diálogo com a historiografia, com a sociologia e com a ciência comparada das religiões, Troeltsch acrescenta uma inusitada pitada de relativismo à sua análise do campo religioso: é ingênuo acreditar, diz ele, que "toda a humanidade atinja seu cume em Jesus e que ela possa ser conquistada pelas forças religiosas associadas a Jesus. [...] É provável que ainda possa haver outros estilos de vida religiosa (religiöse Lebenszusammenhänge), com seus próprios salvadores e figuras exemplares" (Idem, p. 174). O cristianismo fatalmente assumirá novas formas, mas isso não quer dizer que seu lugar no Ocidente se tornará periférico. Uma eventual dissociação entre um e outro só pode realizar-se completamente quando não mais houver Ocidente: "É loucura acreditar que possa haver uma nova religião numa época tão profundamente enraizada no cristianismo e em forças religiosas que com ele mantêm algum parentesco, como as da Antigüidade" (Idem, p. 175). E quanto às práticas rituais? O culto comunitário continuaria a manter toda a sua importância, ao menos se aceitamos seu postulado de que "uma religião sem culto seria uma religião agonizante" (Idem, p. 175). Troeltsch identifica precisamente nesse ponto a maior dificuldade para o livre-cristianismo, pois o que se pode esperar de um estilo de religiosidade tão individualizado, tão entrelaçado com o espírito crítico e a ciência moderna? Uma leitura privatizada do cristianismo deveria assumir para si a tarefa de tentar equacionar tais problemas, se é que de fato pretende se constituir em alternativa real. Em todo o caso, o "individualismo radical" poderia suscitar, pelos seus próprios excessos, uma nostalgia em relação às formas tradicionais de exercício religioso coletivo. O movimento inverso é igualmente plausível: correntes antiindividualistas modernas (Troeltsch as identifica no socialismo, na burocracia e no capitalismo) produzem um aumento de sensibilidade para o seu oposto, e desse movimento o livre-cristianismo e sua comunidade de culto poderiam se beneficiar (cf. Idem, p. 182). Posicionando-se na contracorrente da visão dominante nos meios acadêmicos e intelectuais de seu tempo, Troeltsch elaborou um diagnóstico que, na sua essência, sobreviveu bastante bem à erosão do tempo. Minha tese é a de que isso não deve ser atribuído à sua fé pessoal (embora possa tê-lo sido, em parte), mas sim ao fato de que ele resistiu à tentação de reificar a teoria - de origem iluminista, como mostrou Hans-Georg Gadamer (1993) - sobre o inexorável desencantamento do mundo18. O investimento simbólico crescente na esfera da imanência, essa Diesseitigkeit moderna de que fala Troeltsch, nada tem a ver com uma suposta dissolução da religião. Talvez sem dar-se conta de todas as implicações de suas análises, ele nos faz atentar para a necessidade de pensar as novas formas que o fenômeno religioso assume no Ocidente. A partir de tais premissas, abre-se ante nossos olhos um amplo espectro de possibilidades: da individualização do religioso à civil religion, das convencionais seitas e Igrejas cristãs às inúmeras variáveis sincréticas resultantes da fusão entre culturas religiosas distintas, passando ainda por aquela religiosidade intramundana e aparentemente avessa a qualquer expressão institucional concreta - algo que Helmuth Plessner denominou Weltfrömmigkeit (cf. Plessner, 1974)19. Por outro lado, desfaz-se, depois de uma leitura atenta de Troeltsch, o mito do "caráter progressista" do protestantismo. Um mito que, por essas ironias da vida, justamente um homem religiosamente "a-musical" como Weber contribuiria para reforçar. Troeltsch escapou aos termos da aporia weberiana: sua obra atesta a existência de uma terceira via possível entre ceticismo e "sacrifício do intelecto" (Weber, 1988, p. 566)20. Em seu rigor analítico, erudição, honestidade intelectual e - se assim posso me expressar - em sua humildade diante da história reside a grandeza de seu legado para a sociologia da religião. "É bem possível que, em nosso mundo, sejam iminentes grandes revoluções no terreno religioso. Mas ninguém é capaz de vislumbrá-las e prevê-las. As novas forças nos são ainda desconhecidas" (Troeltsch, 1979, pp. 170-171). Referências Bibliográficas DOSTOIÉVSKI, Fiódor. (2002), O idiota. São Paulo, Editora 34. [ Links ] DRESCHER, Hans-Georg. (1991), Ernst Troeltsch. Leben und Werk. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht. [ Links ] DUMONT, Louis. (1993), O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro, Rocco. [ Links ] GADAMER, Hans-Georg. (1993), "Reflexionen über das Verhältnis von Religion und Wissenschaft". In: _____. Gesammelte Werke 8. Tübingen, J. C. B. Mohr, pp. 156-162. [ Links ] GISEL, Pierre et al. (1992), Histoire et théologie chez Ernst Troeltsch. 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Embora figure entre os "pais fundadores" da sociologia, ele sabidamente acompanhava com interesse a obra de teólogos como Albrecht Ritschl, Rudolf Sohm, Adolf von Harnack e o próprio Troeltsch. Ver o elucidativo estudo de Graf (1987). 2. Friedrich Tenbruck constata: "Só se rastreia a relação problemática da sociologia com a teologia por meio da história de ambas, pois a sociologia pretendeu se apossar, e em diversos aspectos se apossou, da herança da teologia" (Tenbruck, 1977, p. 218). Basta pensar em nomes como Comte e Bellah para se dar razão a Niklas Luhmann (1981, p. 302) quando afirma que a sociologia é "latentemente religiosa" (latent religiös). 3. Grosso modo, essa dicotomia foi defendida por Troeltsch até a Primeira Guerra. A virada se dá numa conferência de 1922 (cf. Troeltsch, 1957), na qual publiciza sua conversão à democracia liberal. Desde então ele contou entre os representantes mais ilustres dos Vernunftrepublikaner da República de Weimar (cf. Ringer, 2000, pp. 106-107, 192-195). 4. Nas palavras de Odo Marquard (2001, p. 101), "as ciências experimentais da natureza são 'challenge'; as ciências do espírito são 'reponse'". 5. Daí a problemática de fundo que percorre toda sua obra, qual seja, "the essential and insoluble connection between history and faith" (Troeltsch, 1991, p. 73). Para um primeiro contato com sua visão dos "problemas do historicismo", ver Troeltsch (2005) e a excelente coletânea preparada por Gisel (1992). 6. Além dos sentidos que Pierucci (2003) identifica nesta expressão ("desmagificação" e desencantamento pela ciência), parece-me haver um terceiro, este implícito: desencantamento como profecia. Weber não era exatamente um homem avesso a prognósticos! Com razão observa Tenbruck (1975, p. 682), num ensaio clássico, que a sociologia weberiana da religião não se desvencilhou da tradição evolucionista da época. 7. Em 1911, durante o primeiro congresso alemão de sociologia, Weber fala em "Namens-Christentum in Deutschland" (apud Simmel et al., 1911, p. 202). 8. A respeito, ver Drescher (1991, pp. 82-83). 9. Num texto escrito pouco antes de sua morte, ele advoga que a identidade entre cristianismo e "europeidade" (Europäertum) não teria como ser dissolvida: o cristianismo "cresceu conosco e é parte de nós" (Troeltsch, 1924, p. 77). 10. Para uma visão sucinta do que ele chamou de "civilização eclesiástica" medieval, ver Troeltsch (1980). 11. Nossa literatura historiográfica e sociológica ainda está por dar o devido tratamento crítico ao antimodernismo católico do século XIX, especialmente à época de Pio IX e Leão XIII. Sem isso, só se compreende muito mal os desenvolvimentos recentes dos papados de Wojtyla e Ratzinger. Para uma análise do fundamentalismo católico ultramontano, ver Mata (2007). 12. Em sua resposta a Rachfahl, Troeltsch desmente a existência de qualquer "empreendimento científico comum" (2003, pp. 184-187) . A dimensão econômica, central para Weber, é apenas um dos aspectos que ele diz levar em conta nos seus estudos. 13. A importância decisiva de Troeltsch para um Louis Dumont (1993) não precisa ser ressaltada. 14. Não era essa, evidentemente, a intenção de Weber. Mas estou de acordo com Nipperday que a redação e, em especial, a repercussão da Ética não podem ser adequadamente compreendidas fora desse contexto. 15. O "Significado" partilha os mesmos fundamentos epistemológicos básicos da Ética: a teoria da formação de conceitos de Rickert (cf. Mata, 2006). Apenas que Troeltsch denomina "conceitos históricos gerais" aquilo que Weber prefere chamar de "tipos ideais". A primeira formulação sobre os "conceitos históricos gerais" aparece em 1903, um ano antes da apresentação dos tipos ideais no famoso ensaio de Weber sobre a "Objetividade". Ver Troeltsch (1977, pp. 177-179). 16. Elaborados por Weber num artigo publicado em 1906 no jornal protestante-liberal Mundo Cristão (cf. Weber, 1973), os conceitos antitéticos de "seita" e "Igreja" recebem tratamento bem mais elaborado nas Soziallehren de Troeltsch (1994). Um fragmento de seu magnum opus chegou a ser traduzido para o português (cf. Troeltsch, 1987). 17. Troeltsch não dá o nome do artigo de Simmel em questão. Mas há boas razões para crer que se trata do ensaio "Das Problem der religiösen Lage" (cf. Simmel, 1919), originalmente publicado em 1911. 18. Para Thomas Luckmann, a reificação da teoria (de resto um fenômeno relativamente comum na história das ciências sociais) seria uma das expressões mais evidentes do "fiasco cosmológico da sociologia" (Luckmann, 1999, p. 317). 19. Vê-se que é a própria noção corrente de "transcendência" que está posta em questão. A perspectiva sociofenomenológica proposta por Luckmann (1996) não foi ainda, acredito, devidamente explorada entre nós. Do ponto de vista empírico, os trabalhos de Sanchis (1995), Soeffner (2000) e, em especial, Srubar (1999) coadunam-se bastante bem com a análise de Luckmann. 20. A famosa passagem da Zwischenbetrachrung de Weber nada mais é que uma paráfrase de palavras que Simmel publicara nove anos antes: "Erst wo der Verstand Nein sagt, ist der ja-sagende Glaube überhaupt am Platz, hat er eine ihm eigene Funktion auszuüben" (Simmel, 1919, pp. 213-214). Tempo Social Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 05508-010 São Paulo - SP Brasil temposoc@edu.usp.br

Simbolo da pluralidade religiosa.

Simbolo da pluralidade religiosa.
Diversidade das manifestações religiosas.